A campainha tocou e a andorinha Enna levantou-se do sofá da sala
para ir atender a porta. Do outro lado, a lagartixa Plipka
mostrava-se leve e saltitante, soltando um alegre 'Oii'.
'Chegou cedo', comentou Enna, convidando a amiga para entrar no
apartamento, 'Pode ir se sentando, ainda não estamos prontos'.
'Ah...', a lagartixa soltou um muxoxo, 'Mas quanto antes chegarmos no
Viveiro, melhor! Já liguei para Farel, e ele disse que está a
caminho, junto com o resto do pessoal. Se demorarmos muito, vamos
acabar perdendo as apresentações!'.
'Ok, ok. Vou ver se consigo apressar o Rennard', e Enna dirigiu-se
para uma portinha aos fundos. Abriu-a casualmente com uma virada de
seu pulso, revelando um raposo Rennard pelado, no meio do banho. 'Ow,
adiante o lado, estamos de saída', disse despretensiosa para o homem
surpreso.
'Enna!', Rennard reflexivamente buscou tapar-se com as mãos, 'Um
pouco de privacidade, sim? Você passou meia hora no banho!'.
'Eu sei, mas o pessoal já está a caminho do Viveiro, então temos
que sair logo. Ah, e Plipka já chegou'. Daí, aparecendo só com a
cabeça sorridente no corredor, a lagartixa olhou para o raposo e
disse, 'Olaa!'.
Agora, mais que antes, Rennard tentava esconder-se. 'Caramba, Enna,
fecha essa porta!'
'Afe, como se nós não tivéssemos visto você pelado antes',
resmungou Enna, e Plipka, em tom zombeteiro, 'É, sossega esse rabo,
seu raposão'. Cheio daquilo, Rennard saiu do banho molhado, puxou a
porta das mãos de Enna, fechou-a e, para certificar-se de que não
abririam de novo, prendeu o banco do banheiro na maçaneta (pois a
fechadura estava quebrada – e Enna ainda havia dito que nem teria
problema! Humph).
'Viu como ele ficou vermelho?', disse Plipka, ainda no sofá,
soltando suas risadinhas pontilhadas. A andorinha sentou-se ao lado
da lagartixa, 'Ele é sempre tão envergonhado com essas coisas, não
sei por quê. Parece até um filhote em sua primeira longa noite pela
Animalia'.
'Sim', a lagartixa enroscava os dedos nos cabelos encaracolados, 'E é
verdade que ele é parente da Lorena Vulpes? Eu imaginava que alguém
assim seria muito mais...bem...extrovertido, hah'.
'Pois é, mas cada um é diferente, eu imagino', sorriu Enna. 'Mas me
diga, você sabe quem irá hoje ao Viveiro? Não conheço muita gente
lá e não quero ficar deslocada'.
Plipka arregalou os olhos, 'Não conhece? Mas você é uma andorinha,
deveria estar até o pescoço amontoada de pássaros!'. Enna olhou
carinhosamente para Plipka e deu umas piscadela: 'Pois é. Como eu
disse, amiga, cada um é diferente'.
'Bleh', a lagartixa mostrou a língua, divertida, 'Mas sim, falando
sobre quem vai, acredito que, além de Farel e os outros, vai também
o pessoal de artes. Se lembra deles, Enna? A arara, o morcego,
aqueles dois pombos...'.
Enna ergueu a mão, 'Ah, deixa pra lá. Chegando lá eu vejo esse
pessoal. Falando assim, só sinto você apertar minha mente'. Então,
levantando-se novamente do sofá, a andorinha bate à porta do
banheiro, 'Bora, Rennard! Já deu para lavar até sua alma aí!'.
Logo em seguida, o raposo sai de dentro do banheiro vaporoso, ainda
molhado em suas roupas largas e esvoaçantes. 'É foda, Enna. Não
estou nem faz cinco minutos no choveiro e você já me colocando para
fora'.
A andorinha nem se importou com as reclamações do raposo. 'Então,
já está pronto? Podemos ir?'.
'Sim, só me deixe pegar o baixo elétrico...'
'Não! Carregar esse treco vai nos atrasar!', choramingou Plipka, lá
no sofá, 'Vamos, vamos, temos que correr!'.
Então as duas puseram-se a empurrar o raposo para fora do
apartamento, e logo estavam os três a caminhar apressadamente pelas
ruas. Rennard ficou emburrado durante o começo do trajeto, 'Eu não
vejo onde haveria problema em levar meu baixo'.
'Ainda irritado com isso? Mas você é chato mesmo!', brincou Plipka,
cutucando o raposo nas costelas, 'Preocupe não. Se tiver algum baixo
de bobeira lá no viveiro, vou ver se arranjo de você tocar'.
'Ai', Rennard ganiu ao sentir os dedos finos da lagartixa em suas
costelas, 'Não é nem por isso, é só que não vejo razão por essa
pressa toda. Ainda estamos no berço da noite, a maioria dos bichos
ainda nem saiu de suas casas!'.
'Sim', Enna segurou as mãos de Plipka e de Rennard, 'Mas hoje vai
ter apresentação no Viveiro, e elas começam logo no engatinhar da
noite, bem quando bater as 20 horas. Então, temos que nos apressar,
ouviu moçada?', e, segurando forte nas mãos dos dois, andou em
passos apressados.
Realmente, Rennard estava certo. As ruas ainda estavam vazias. Era
possível de se ver as luzes do Centro brilhando fortes, mostrando
ainda muitos bichos que estavam trabalhando. Nas esquinas, os bares
preparavam suas mesas e levantavam seus toldos. Um estranho silêncio
pairava sobre tudo, indicando aquela calmaria inocente que antevem
sempre às barulhentas tempestades de risos, danças e brincadeiras.
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