quinta-feira, 7 de maio de 2015

Poema 9 - Olá, Tamanduá




Olá Tamanduá!
ou
Abro a porta do armário

Surpresa
Olá, tamanduá
Como vai você?
Sozinho, aí no armário
Tão escuro e solitário
Em meio a livros, bolsas e pastas
Perdido entre as aspas
Esquecido nos restelhos
Com poeira até os joelhos

Sujeira
Tadinho tamanduá
Sua língua deve estar seca;
Suja de tanto pó
Vejo seus olhos, amarelhinhos
Pela luz forte, miudinhos
Me acusando sem ter dó

Esquecimento
Me perdoe, me perdoe
Esquecer-se sempre me foi
Uma segunda natureza
Esqueço hoje meu nome
Amanhã, esqueço a beleza
Esqueço a razão do sono
E os motivos do abandono
Esqueço as promessas, estrelas
Esqueço a feição da lua
Esqueço o lado do vestido
Para quem esquece de tanto
A vida de quando em quando
Confunde sorriso e pranto

Reviranda
Retiro a mala, o cadeado
Os livros, a capa e a espada
Agora, já mais soltinho
Te pego em meu colinho
E aperto em meus braços

Percepitado
Confesso minha culpa
A solidão aperta pelos cantos
Garimpando as costelas
Pinçando fera como grampos
Uma coberta feita em vazio
Que quanto mais nela se encasula
Mais descoberta se encontra a criatura

Culpeiro
Desculpa meu utilitarismo
Todo ego tem fascismo
Desculpa por minha flor
Pela petalas de narciso
Procurando o desejado
Raramento o que é preciso
Desculpa, tamanduá
A maldade de ansiar
Um tantinho de companhia
Quando assombra-se a agonia
Na portinha de meu lar

Confrontação
Você me olha, me olha
Longamente e meditante
Rochedos antigos de pêlos marrons
Seus olhos amaranjados nem piscam
Todo julgamento que enxergo
É o reflexo de minha fome de mim
Devorando tudo que não é osso
O vilão de nossa história
Passa primeiro pelo eu lírico
A marca inescapável da autoria

Refletimento
Aquele lá? Um lobo
Cinza e branco e neve
Não chore, não grite
Não se desmantele, tamanduá
O lobo não fica ali
Por ser melhor do que cá
Não fique triste por tão pouco
Mas não te ouço gritando
Nem mesmo abrindo a boca
Acho que ouço o retorno
Do vento que plantei longe

Espelhavagem
Agora, senta em meu colo
Escrevo o que acontece
Depois, senta na cama
Me olhando feito um lago
Sem a inquietude do mar
Que reviranda por marés
Cada palavra tecida
Caminha mais rápido para o fim
E esvazia

Acertos
Perdão pela lacuna
Do abandono desprogramado
E também pelo reaparecimento
Em função de anseios egotistas
Gosto do vazio de paredes sem cor
Apesar de às vezes perder minha chuva
Mas lembra, tamanduá
Não deixo te de gostar
Quando meus olhos desolham de ti
E o lobo, em cima dos livros?
Ili uiva.

Então?
Olá, tamanduá
Com olhinhos divertidos
Vejo que as rimas acabaram
E também o conflito
Sua pele é tão quente
Sinto meu coração tremer seu corpo
Bom, é isso

Um poema deve saber quando começa, assustadoramente, a se tornar um diário.

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