terça-feira, 26 de agosto de 2014

Aparente Nemo (2) - Kali



Parte 1

Atravessando a sala curtíssima – no escuro – habitada somente por um sofá, uma televisão e outros móveis pouco distintos, Nemo passa pela parede vazada até a cozinha – sempre no escuro, apenas as luzes da rua traziam um pouco de claridade – e, tateando pelos armários sobre sua cabeça e as gavetas sob suas mãos, foi conseguindo copo, colher, chocolate em pó, leite – ainda no escuro, as luzes da rua trazendo um pouco, mas só um pouco de claridade... então “flick”, um interruptor ligado, clarão, luz, e uma voz fina falando, < Nossa, nem vi que você estava em casa>. Com os olhos tentando se aclimatar à luminosidade, Nemo virou-se.

Kali. Linda, estonteante, céu estrelado numa noite no campo; com curvas por todos os lados, proporções magníficas, cinturas, espaldas, quadris, ventres... seus olhos levemente repuxados apontavam para o leste distante, mas era completamente visível a presença do oeste em suas medidas avantajadas, bustos, glutes. Ainda assim, mais que tudo, seus cabelos... eram negros, como onyx cinzelada e escorrida em águas escuras – o mar de uma praia noturna, abandonada, sem qualquer rastro de 'civilização'. Era tamanha escuridão naqueles fios que Nemo tinha medo de cair e se perder neles – apesar de mesmo assim já tê-lo feito algumas vezes.

<Nunca dá para saber direito se você está fora ou se está trabalhando no escuro em seus desenhos quando fica com a porta trancada assim - falava Kali entre longos sorrisos e gesticulares de quadril, -Adoro esta saia, mas não conhecia esta camisa social, amigui>.

<Ah, eu tinha comprado faz um tempinho, só não tinha usado ainda>. Nemo empurrou para um cantinho o chocolate em pó e apoiou as palmas das mãos na bancada, retribuindo com um sorriso líquido o de Kali, < Mas eu também não te ouvi chegar, querida>.

<Estava no banho, peguei uma chuvona voltando para casa>, realmente, dava para perceber o cheiro de água nos cabelos dela, úmidos como as gotas que batiam contra a janela da casa. O som da chuva batendo à janela, a umidade dos cabelos da amiga... Nemo arrepiou-se completamente, como se o vidro da janela fosse sua pele e a chuva fosse o cabelo de Kali. <Fica muito fofi com essas roupas>, disse Kali aproximando-se e tocando gentilmente os pulsos de Nemo, fazendo com que parasse de prestar atenção na chuva do lado de fora.

Olhando para a amiga, Nemo respondeu fazendo uma caretinha manhosa, <Blah, eu sei!>, enquanto deitava a cabeça no ombro dela. Kali, observando o chocolate em pó e leite, deduziu as intenções de Nemo. < Queridi, esse pó todo não vai lhe fazer bem. O que queria? Fazer chocolate quente? Deixa que eu faço pra vocêi>, e foi logo guardando o que Nemo tinha pego e alcançando umas barras de chocolate para raspar.

Nemo ficou em bolhas, balançando Kali pelos ombros, <Poxa, não precisa, é muito trabalho!>. Kali, sendo fortemente balançada, só dava risada <Não é muito trabalho. Não esquenta a cabeça>. Mas Nemo continuava a balançá-la, < Mas eu ainda estou pensando em dar uma corrida, amiga, então não vai dar para eu tomar!>. Kali apenas deu de ombros, a voz chocalhando por causa de Nemo que a balançava, <Você não vai correr nessa chuva; então pelo menos a espere passar e, enquanto espera, bebe um chocolate quente. Vamos lá, é a única coisa que sei fazer na cozinha!>.

Suspirando, concordou <Tudo bem, aceito...mas só se deixar que eu te ajude>. Kali respondeu com um sorriso silencioso, concordando com Nemo. Lá fora, chuva e vento - frios - enquanto dentro do apartamentinho um calor começava a brotar da leiteira posta ao forno. As duas pessoas trabalhavam em silêncio, bem juntinhas uma da outra. Quando já estava ficando no ponto o chocolate, derretido e doce, o vapor quente da leiteira lambia os cabelos azuis de Nemo, fazendo-os colar nos cabelos escuros-ainda-molhados-do-banho de Kali. <Faz cócegas>, resmungou Kali com os cabelos de Nemo em seu rosto. Nemo sorriu e, contente, encostou a cabeça na da amiga. Eis então que “croc-croc”, barulhos de chaves, porta rangendo, Kali olhou para o canto ansiosa e Nemo saltitava, dizendo: <Nossa! Finalmente, Natasha chegou!>.

<E chegou bem na hora certa - riu Kali – vai lá ajudá-la a entrar, essa porta miserável vive empenando>, Nemo concordou e, em saltinhos alegres, foi até a porta. Nisso, a chuva continuava a cair do lado de fora, serenamente. Uma noite alegre.

Parte 3

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