<Já
estava preocupando contigo!>, comentou Nemo, sorridente. A porta
foi abrindo com um pouco de esforço, é verdade. Atrás
dela, um vestido social reto, de tons pastéis sérios,
sem piadas ou brincadeiras, indo até os joelhos protegidos por
meia-calça escura que descia até os saltos brancos
fechados e austeros. Na mão esquerda, uma maleta discreta;
entre os ombros, um guarda-chuva; a mão direita, com um
relógio dourado ao pulso, ainda segurava na maçaneta da
porta, continuando a forçar a porta a abrir. Por detrás
de toda a seriedade e decoro, uma figura alta, de um rosto fino com
uma maquiagem limpa, meticulosamente trabalhada, cabelos longos e
loiros apoiados minuciosamente aos ombros e olhos curtos,
penetrantes. Nemo parecia um filhotinho de nuvem olhando para aquela
torre de compostura à sua frente, sorrindo bobamente.
Natasha
olhou para baixo, fitou Nemo sorridente, e sorriu-lhe de volta. <
Desculpe, crianças >, disse se dirigindo para Nemo e Kali,
< Tive que parar para comprar algumas coisas depois que saí
do trabalho e acabei ficando presa no engarrafamento por causa da
chuva>. Natasha foi finalmente entrando no apartamento, deixando o
guarda-chuva ao lado da porta de entrada e a maleta no sofá da
sala. Depois, olhando para Nemo, falou < Finalmente você
resolveu usar essa camisa, não é? Já faz quase
um mês que a comprou. Ficou muito lindi nela, apesar de achar
que talvez seja um pouco grande demais para você>.
Nemo
virou o pescoço de um lado para o outro, puxando as mangas
largas da camisa social, <Ah! Mas eu gosto de roupas largas!>,
e abraçou-se pela cintura. Natasha sorriu, <Você é
uni menini muito fofi, sabia?>.
< Olha
que assim eu fico com ciúmes! > reclamou brincalhona Kali,
de dentro da cozinha. < Nem precisa ficar, menina, sabe que é
fofa também>, sorriu Kali, mas logo seu sorriso tornou-se
numa careta ao perceber que a garota se encontrava na cozinha, <
Querida, o que você está fazendo na cozinha?>. Kali
percebeu o tom de Natasha e deu uma gargalhada, <Nem se preocupe!
Estou só fazendo chocolate quente, não vou colocar fogo
na casa dessa vez>. Natasha soltou um suspiro, aliviada – estava
muito cansada para ter que pensar em ligar para os bombeiros hoje, e
isso não seria algo impensável considerando o histórico
culinário de Kali.
Mas não
tardou para que as três pessoas estivessem sentadas à
pequena mesinha da cozinha, tomando chocolate quente e conversando
sobre o dia. Na faculdade, as aulas foram super normais para Kali –
e isso quer dizer monótonas. A única coisa boa foi
Trisha. Desde quando ela pintou o cabelo de vermelho, era como se os
olhos de Kali não conseguissem mais desviar da figura dela. <
E Trisha me convidou para um show nesse sábado. Hum? Não,
nem sei de que será, mas parece que nem será caro.
Iremos em grupo, junto com os colegas da faculdade, então não
precisam se preocupar>. Quanto a Natasha, mais um dia normal no
trabalho, exceto que Joseph continuava a olhá-la através
do corredor. Kali adorava ouvir Natasha falar de Joseph, ela sempre
enrolava os cabelos loiros nas pontas dos dedos, toda encabulada.
<Amiga, você devia falar com ele! Eu sei que você
gostaria de...>; mas Natasha interrompeu a amiga: < Não,
Kali. Não dá. Você sabe disso>. Kali fez bico,
desgostosa, < Por que amiga? Desde Cory você nunca mais
falou com ninguém e... >.
Novamente,
Natasha interrompeu. < Chega Kali. Chega. >, e Natasha juntou
as mãos sobre o colo, apertando os nós dos dedos
insegura < Você sabe que não dá, amiga. Você
sabe que eu...bem, eu sou...problemática >. Nisso, Nemo
estendeu o braço e tocou nas mãos trêmulas de
Natasha. <Você é perfeita >, disse num sorriso.
Aquelas palavras esquentaram todo o peito de Natasha. Com a alma mais
leve, fitou de volta Nemo e perguntou < Mas e você, menini,
o que fez hoje?>.
Com
aquela pergunta, Nemo se empertigou e falou: <Ah, eu fiz um
desenho lindo, maravilhoso, colorido e perfeito. Já até
o postei no blog, e ele será visto por dez mil pessoas...>,
conforme ia falando, a voz de Nemo ia ganhando dimensões cada
vez mais altas, num crescendo estratosfericamente explosivo, <...e
o mundo inteiro vai gostar, e todos vão querer saber de mim e
aí serei i maior artista do mundo! Mas isso fica pra depois >,
e Nemo levantou-se da cadeira, espreguiçando-se, < Vou
aproveitar que parou de chover e dar uma corridinha >.
< Não
acho que seja uma boa ideia, o tempo está ruim e está
bastante frio >, repetiu Natasha novamente para Nemo, que agora vestia calças largas de corrida e uma jaquetona, ambos
cinza.
< Que
nada, sou forte >.
< Bem,
pelo menos leve o guarda-chuva...>
Blam, a
porta já estava fechada, o guarda-chuva deixado intocado ao
lado da entrada. Natasha suspirou profundamente e olhou para Kali, <O
que fazemos com issi menini?>. Kali deu de ombros, <Ili sabe se
cuidar, acho >, e então ela afastou os cabelos escuros numa
postura indagativa, <Acha que ficaria bonita com algumas mechas
roxas? >.
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