Parte 5
'Já
estava ficando morta de preocupação', comentou Natasha
enquanto Nemo nem ainda tinha fechado a porta, 'Você saiu faz
quase duas horas, garoti!'. Nemo apenas suspirou enquanto ia abrindo
o zíper e tirando a jaquetona juntamente com as calças
de corrida. Natasha continuou sua zanga, 'E olha para você,
todi molhadi! Eu avisei para que não saísse, não
foi?'. 'Não se preocupe', Nemo respondeu, abrindo um sorriso,
'Estou bem'. Mas Natasha permaneceu fitando seriamente i garoti.
Nisso, interveio Kali, dizendo de uma maneira jocosa, 'Não
brigue com ili, tadinho!' e, em seguida, abraçando i menini.
O corpo
de Nemo latejava pela corrida intensa que fizera, pelo frio da noite
que escorria nas gotas de chuva em sua pele. O abraço apertado
de Kali estalou nili como uma corrente elétrica de calor, e os
cabelos noturnos da amiga grudaram em seu rosto molhado de chuva. Era
uma mistura borbulhante de sensações, fazendo sua
cabeça rodar. Ao fundo dos seus sentidos, percebia algum outro
fiapo de sensação pairando no ar. Era um cheiro. Não
o cheiro dos cabelos de Kali. Esse cheiro Nemo já conhecia até
as digitais. Mas era um outro cheiro, boiando no vento do
apartamento. Um cheiro de... 'Pizza? Vocês pediram pizza?',
perguntou Nemo.
'Não,
só esquentamos uma no forno', disse Kali, ainda agarrada ai
amigui, 'Sobraram três pedaços ainda. Quer?'. Nemo
concordou com a cabeça e Kali foi até o forno, abrindo
a boca e, com um pano em mãos, tirou a forma de pizza de
dentro. Nemo observava os movimentos da amiga com uma curiosidade
quase felina – ao mesmo tempo interessada mas distante. Via os
quadris bem marcados da amiga se mexendo, a maneira como o short caía
sobre seu corpo, a forma como seus pés alternavam-se em passos
no chão frio do apartamento, primeiro o calcanhar, depois a
sola do pé, depois os dedos. Via os ombros se movimentando em
sinfonia com os braços e os cabelos, todos ondulando de forma
precisa – e, ao fundo, a janela que dava para a rua servia quase
como uma tela viva na qual Kali se movimentava em três-dimensões.
Havia tanta beleza em Kali que fez Nemo esboçar um sorriso
contente.
'No que
está pensando aí com esse sorriso todo?', falou Natasha
que observava Nemo sentada na mesinha da sala. Virando o rosto, os
olhos de Nemo se encontram com os de Natasha, e novamente sua
imaginação se alongava, perdendo-se no rosto da amiga,
nas formas dos cílios – longos e aloirados, nos olhos azuis
que quase cintilavam na penumbra dentro do apartamento. Vendo Nemo
ainda em silêncio, olhando atentivamente para si, Natasha
levantou as mãos e acenou, 'Ei, garoti, alou!'. Só
então que Nemo parou de voar e respondeu, 'Oh, eu só
estava pensando um pouco, não se preocupe'.
Mas claro
que Natasha ia se preocupar, 'Está muito avoado hoje, queridi.
Algum problema?'. Nemo deu de ombros e foi sentar no sofá,
'Acho que não. Só estou me sentindo meio nevoeiro'.
Natasha levantou-se da cadeira e foi sentar ao lado de Nemo,
acarinhando maternalmente os cabelos azulados dili. Nemo, sentindo os
dedos fortes mas carinhosos da amiga, deitou a cabeça no ombro
dela. 'Mas como você está geladi!', comentou Natasha,
'Vamos, vá tomar um banho para afastar esse frio todo'. Nisso
Kali diz, 'Ei, mas e a pizza?', disse ela aparecendo com três
pedaços de pizza num pratinho, 'Acabei de esquentar, poxa!
Deixa Nemo comer que depois ili toma banho'. Mas Natasha estava
irredutível, 'Nada disso, eu quero ninguém doente aqui.
Já para o banho!'.
Nemo nem
quis discutir. Enquanto dava zombeteiri a língua para Natasha,
foi tirando as roupas e desleixadamente as deixando pelo corredor. No
chuveiro, já com a água quente turvando com seus
vapores o vidro do banheiro, Nemo tremia ao sentir o contato do calor
em sua pele. Ili sabia que não devia deixar a água tão
quente, ainda mais depois do frio que passara – mas não se
importou. Abraçando a própria cintura, olhos fechados,
sentia as gotas escorrendo pelo corpo, reanimando as sensações
que estavam dormentes. Com a água escorrendo por suas pernas e
coxas, Nemo soltou umas risadelas curtas. 'Está muito atrevida
hoje, sabia?', comentou sozinha no chuveiro, falando com a água.
Erguendo as mãos até a boca do chuveiro, acariciou a
corrente de água que descia, 'Realmente, muito atrevida
escorrendo assim por mim'. E em seguida, fechou a água, 'Mas
não tenho tempo para brincar contigo hoje'.
Depois de
lavadi e limpi, Nemo sentiu-se mais leve. A água havia lavado
o frio de si e pintado seu cinza com outras cores. Sentia-se feminina
agora, como água, como chuva e tempestade. Olhando para as
roupas suas no banheiro, escolheu a que achava ser mais feminina –
uma enorme camisolona que de tão grande servia-lhe de vestido,
indo até os joelhos. Olhou-se no espelho, embaçado pelo
banho quente, e, depois de alguns momentos fitando nele com atenção,
concluiu que gostou do que via. 'Estou linda', disse, abraçando
a própria cintura.
Depois,
indo em direção à sala, Nemo pulou no sofá
onde Kali e Natasha conversavam silenciosamente. Pleft! Ela se
encerrou entre as duas amigas como um hipopótamo caindo num
meteoro. Daí, olhando para as caretas de susto das duas, Nemo
perguntou com a carinha mais angelical possível, 'Estou
cheirosa?'. A mudança de gestos e fala foi percebida
imediatamente pelas amigas. Kali, dando uma fungada no cangote de
Nemo, sorriu, 'Você está com o mesmo cheiro de sempre,
amiga. Cheiro de tapete molhado'. Nemo respondeu, 'Mas seria o cheiro
de um tapete cheiroso?', e agarrou-se como um bichinho no braço
de Kali. 'Ah, mas é claro amiga!'. Nemo gostou do que ouviu e
escondeu o rostinho nos cabelos escuros de Kali, para logo em seguida
perguntar, 'E cadê minha pizza? Estou com fome! Fome!!'.
Natasha diz, 'Deixa que eu pego, não precisa gritar'. E, só
para fazer piada, Nemo gritou: 'Fomeee!!!'.
Agora as
três estavam aconchegadas no sofá. Nemo comia suas
fatias de pizza com as mãos, sentada com os pés em cima
do sofá. 'Viu? Agora ela vai ter que lavar as mãos
ainda. Seria bem melhor se ela tivesse tomado banho depois',
reclamava Kali. Natasha respondeu com um muxoxo, para logo mudar de
assunto, 'Bem, gente, hoje é sexta-feira. Vocês já
têm algum plano para amanhã à tarde? Estava
pensando se poderíamos ir ao shopping, passear um pouco,
conversar'. Kali arregalou de alegria seus olhos amendoados, 'Ah!
Seria ótimo! Eu estava mesmo querendo procurar umas roupas
para ir ao show com Trisha. Vamos todas, Nemo?'.
O rosto
de Nemo contorceu-se em rusgas de melancolia. Com uma voz esvaziada,
disse, 'Amanhã eu irei almoçar com minha mãe'. O
clima no pequeno apartamento ficou frio – mais frio do que a
temperatura gélida que recaía por toda a cidade naquela
noite. Kali percebeu a solenidade na voz de Nemo e a abraçou
bem apertado. Nemo deixou-se carregar pelos braços da amiga e
encerrou o rosto no peito da amiga. Natasha deitou sua mão
sobre os ombros de Nemo, 'Vai dar tudo certo. Tenho certeza que ela
ficará feliz em saber novidades de você'. Nemo não
respondeu àquelas palavras. Ela apenas ficou escondida entre
os seios de Kali por um momento e depois voltou a comer. Ela não
disse mais uma palavra sequer.
Pouco
depois, Kali já tinha se recolhido para o quarto. Queria ver
se adiantava uns trabalhos para poder estar completamente livre
amanhã. Natasha e Nemo ainda ficaram mais um tempo na sala,
mas não tardaram também de irem para os quartos.
'Depois do almoço, se quiser sair conosco, nos dê um
toque pelo celular, certo?', disse Natasha à porta do quarto
de Nemo. Nemo apenas fez que sim com a cabeça, ainda em
silêncio. Natasha suspirou pesarosa e correu os olhos pelo
quarto vazio de Nemo, 'Nós até poderíamos ver se
comprávamos algo para preencher esse quarto, não é
amiga? Talvez uma luminária, uma mesa de estudos. Que tal uma
mesinha japonesa? Você adora isso, não é?'. Nemo
novamente apenas respondeu que sim com a cabeça. Percebendo
que a amiga queria ficar sozinha, Natasha apenas se despediu, 'Boa
noite, querida. Não se preocupe com amanhã, vai dar
tudo certo' e então fechou a porta do quarto.
Nemo
ficou só, com seus próprios fantasmas assobiando na
consciência. Seus olhos se viraram para a janela do quarto e
para o seu reflexo no vidro. Olhando a forma escura de sua silhueta,
Nemo tocou os delineamentos de seu rosto e disse, com a voz um pouco
incerta e trêmula, 'Estou linda...'.
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